1. A ideia de bem como princípio,
porque a tarefa de definir o “útil” é o horizonte da indagação
filosófica.
2. O útil, bem entendido, é o
vinculante, o ser para: a possibilidade.
3. Não se trataria não só de
compreender o bem (o bom, o que é bom) como o vazio por si da
decisão pela singularidade, mas também como essa singularidade
mesma – o ser próprio?
4. O próprio de uma época, uma vida,
de uma ideia é aquilo em que ela se realiza enquanto tal.
5. Mas nisso o bem se confunde com a
ideia, não? Mas isso é um problema? O bem não seria a ideia de
ideia?
6. Em que sentido? (i) Não como
regressão ao infinito; (ii) Sim: como círculo.
7. A ideia é o melhor (o próprio) em
cada âmbito do “real” – a aura que faz do real “mais”,
maximamente ele mesmo. A ideia de bem é, então, o melhor do melhor
– que talvez não seja senão o ser da ideia...
8. Ora, para o ser ideia, o melhor é
ser inteligível, verdadeira, etc. É isso que o bem confere a ela.
9. Mas ele não confere a unidade, que é
também própria à ideia. Não? Apenas não explicitamente, no
sentido de que Platão não o diz diretamente.
10. E como fica o caráter vinculante
nisso tudo? O ser-para?
11. Nesse sentido, não será o bom
propriamente um vazio de “substância”, e tão só o como
de um vínculo: (i) o vínculo de verdade e clareza; (ii) o aberto de
possibilidades (!)?
12. A indeterminação do bem (ou do
bom), assim, é justamente o próprio dele: não é algo negativo –
ou uma “má” negatividade –, mas sim o seu ser aberto mesmo, o
ser passível de determinação e o convidar
à determinação decisiva, o convidar à vida (filosófica?).
13. O bom é o convite à vida na
modalidade do como de uma decisão vinculante e compromissada com
o ser aberto para possibilidades – ser aberto que não é senão o
bom mesmo. [O bom é, portanto, abertura que convida a compromisso
com ela mesma, em que “mesma” é o todo de relações que a cada
vez se estrutura uma vida].
14. Daí o papel central da justiça:
ela é o compromisso com o bom, o próprio, que só vem a ser útil –
verdadeiramente vinculante – quando o bom vem à (sua própria)
luz.
15. Está aí a chave entre o bom e o
Worumwillen. (cf. Heidegger, Da essência do fundamento)
16. Não esquecer: justo por ser o apelo
ao compromisso com o ser aberto a possibilidades, o bom nunca se
fecha: permanece sempre como a possibilidade para a possibilidade
(isto é, o estar aberto ao possivelmente sempre outro do que “até
agora” já foi, mas também,
claro, ao mesmo).
17. Isso é o que dá o caráter de
“futuro” ao bom, mas um futuro que pode ser também o futuro de
uma outra compreensão – e, assim, de um outro ser – do
“passado”, de uma nova existência
mesma deste – do ponto de vista existencial, que é o fundamental,
o passado jamais está fechado.
18. Aqui se encontra o sentido
ético-existencial do imperativo categórico: ele é vazio não
porque é universal, mas porque é a formulação universal da tarefa
do humano diante do singular, se
ele “quer” compreender este – e, assim, a si mesmo – como ele
propriamente é.
19. Por isso, ele é “formal”,
“vazio” do ponto de vista “concreto”, “indeterminado”:
ele é, antes, indeterminável ou, mais ainda (muito antes), o a ser
determinado a cada vez. Ele é o convite à tarefa propriamente
humana, o “fazer o bem”, e sua “formalidade” só é incômoda
de verdade para quem o compreende dessa maneira, para quem quer
reduzir o humano – e mesmo a sua concretude – a uma definição
permanente e manuseável, um “a gente”.
[20. Veja-se que o problema não é com
o “a gente” – nele se funda o universal,
ele a gente sempre já é em alguma medida. O problema (ético mesmo,
ou inclusive) é a “abstração”, o “esquecimento” do
singular e o domínio “absoluto” do “a gente”. Esse é o
problema da técnica, da lógica, da filosofia analítica.]
21. A formalidade do imperativo é,
pois, o que há de mais “positivo” nele – na medida, e só na
medida em que se vê resguardado aí o espaço do comum
incompreensível (o singular).
22. Incompreensível: não o impossível
de ser compreendido, mas: (i) o que, no limite, é acolhido da
compreensão como o incompreensível – e, assim, compreendido como
tal (e não como mera “pedra onde a pá entorta” ou, antes, vendo
aí o entortar da pá o modo como a pá compreende, “escava” a
pedra como tal); (ii) o que, sobretudo, requer a cada vez o esforço
de compreensão, o mobilizador, a Causa última, a Coisa mesma da
compreensão.
23. Por tudo isso, o mobilizador
enquanto tal é o bom: pois o ser incompreensível, singular, é o
próprio do humano1
– e o decidir-se acerca disso, o como agir-compreender diante disso
é justamente a questão: é bom?
[24. Todas as afirmações aqui talvez
precisem voltar sobre si mesmas, isto é: o que soa como universal e
peremptório é “só” um caminho para coisa, talvez o caminho
ocidental (a filosofia). Por outro lado, há a compreensão – ou a
fé – de que a coisa não se dá, ou é, senão (n)os seus caminhos
(os caminhos a ela).]
25. A (quase) cisão entre felicidade e
dever que costuma se enxergar em Kant (ao menos do ponto de vista da
finitude) não viria a reboque da ideia – (talvez) pouco grega ou, ao menos,
pouco platônica – de que meus desejos são o que me separa
dos outros? Não estaria aí a raiz do individualismo? Do egoísmo?
26. A convicção contrária, do outro
como lugar do meu desejo – o singular só é o que é em se abrindo
a cada vez à singularidade (de uma vida, de uma conversa, de um
amor) – o lugar próprio do grego e, quiçá, se não do
cristianismo, mas do Cristo?
27. Pois talvez tudo isso não possa ser
visto senão como uma interpretação conjunta – “sinótica” –
do “Não julgueis para não seres julgado” com o “Amar a Deus
[o incompreensível em que se confia, ou mesmo o incompreensível
enquanto confiança] sobre todas as coisas e ao próximo como a si
mesmo [isto é, como o lugar mesmo em que todos se encontram e são o
que são: a singularidade].” (Sobre esse ponto cf. Do Cristo e A Esquerda e o Cristo)
Março de 2013
1
Ou do ente enquanto tal e apenas revelado para si mesmo no humano?
Daqui uma possível ética dos animais e, mais amplamente, uma ética
diante da natureza enquanto tal.