quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A fila e o facebook



Pawel Kuczynski "Submarine"
In:https://www.facebook.com/222849284410325/photos/a.315950128433573.91004.222849284410325/660350560660193/?type=1&theater

Por vezes o facebook me parece (a vida transformada em) uma enorme e demorada fila (de mercado, de banco). As postagens são aquelas falas que a pessoa (carente) solta no ar, em voz alta e olhando pros lados, pra ver se fisga algum interlocutor incauto, ou nem tanto, que vai distraí-la do tédio ou da ansiedade da espera (tipo "tá calor, hem!?", "que demora", "por vezes o facebook..."). As curtidas são daquelas pessoas que até se distraem com essas falas, olham com aprovação pra quem falou, sorriem até, mas não ao ponto de entabular uma conversa. Os comentários são dos que, por desfastio ou interesse, dão corda a quem puxou papo — com mais ou menos entusiasmo, o que não raro depende do quanto eles querem ver suas próprias falas curtidas ou comentadas. Com o tempo, nos aproximamos de um ou outro companheiro de fila, às vezes preferindo gritar a quem está longe do que falar com o vizinho pentelho. Em todo caso, mesmo quando sabemos que não precisamos enfrentar essa fila (as contas podem ser pagas pela internet e nem sempre é preciso ir ao mercado no horário de pico), lá estamos nós de novo, dispostos a compartilhar nossas esperanças (de que a fila acabe...) ou, com maior frequência, (as distrações para) o cansaço e o tédio de cada dia.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Inexistenciais: de uma charge dx Laerte

Inexistenciais: de uma charge dx Laerte



Como se pode ver na charge acima, mais de dois mil anos depois da teoria dos incorporais, aparece, na era do niilismo, a teoria (e sobretudo a (des)política) dos inexistenciais -- que, diga-se de passagem, compartilha com aquela apenas o "in". Trata-se, no caso dos inexistenciais, de mais uma estratégia para aniquilar xs outrxs, e não só no nível do discurso.

Todavia, a aniquilação em cada caso é diversa.

Bierrenbach nega diretamente a existência dos palestinos enquanto povo -- donde não faria sentido falar em massacre do povo palestino, e o massacre pode seguir sem dó.

Feliciano não declara diretamente a inexistência dxs homossexuais, mas a inexistência do fenômeno que xs elimina enquanto grupo -- e, assim, já que esse fenômeno não existe, xs homossexuais podem parar de tentar se fazer de vítimas e sofrer e morrer caladxs.

Já no caso da Katia Abreu, a operação é um pouco mais complexa, suposto que ela possa ser interpretada nessa mesma linha: se não há latifúndio, não há razão para a reforma agrária (nos moldes como esta sempre foi pensada, ao menos) e não há latifundiário aniquilando índixs, quilombolas, pequenxs produtorxs, sem terra, etc. Donde, essxs também podem parar de se fazer de vítimas e sofrer e morrer caladxs.

Neste último caso, porém, pode-se perceber uma phina ironia. A frase de Katia Abreu não aniquila no discurso um povo (o palestino) que se trabalha para eliminar no real ou nega no discurso uma agressão (homofobia) perpetrada na prática (discursiva, inclusive), mas elimina do discurso uma realidade existente E defendida na prática (o latifúndio) com a finalidade de eliminar na realidade prática e no discurso os que são contra ela. Ora, a ironia está em que a eliminação prática, real do latifúndio pela revolução é justamente uma das pautas históricas da esquerda... e Katia teria sido escolhida Ministra da Agricultura para, segundo ela mesma, "revolucionar" a pasta. E já começou bem: eliminou o latifúndio... do discurso -- e, assim, deu (ao menos) o ponta pé inicial para eliminar os problemas dele decorrentes... da realidade. Qualquer semelhança desse lance com o "olha pra esquerda e toca pra direita"(1), comum numa eleição perto de vc, não parece ser mera coincidência.

Nota:
(1) Crédito do "olha pra esquerda e toca pra direita" para uma postagem no facebook do camarada Silvio Pedrosa.