segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Em torno à porta da lei

Em torno à porta da lei (fragmento)


...o porteiro da "Porta da Lei", de Kafka, só pode ser designado mesmo por um nome abstrato, comum, justo porque significa um lugar ao qual as pessoas "concretas", com nomes próprios, não se reduzem e não podem reduzidas, sob a pena de perder esse incompreensível que as faz pessoas: o seu ser singular. A burocracia pode ser bastante racional, inteligível, técnica - mas nessa mesma medida é absurda, isto é, não compreende pessoas. Por isso, ainda que a porta seja  para o camponês e o porteiro saiba disso; ainda que este dirija várias perguntas àquele, durante os anos a fio em que estão lado a lado - essas perguntas são da incompreensão tecnicamente competente do "senhor", no sentido mesmo de "funcionário", e não do "nobre", no sentido nietzscheano. Certamente o porteiro sabe muito, sabe mesmo tudo sobre o camponês - mas nada compreende deste; mais, ainda: nem se interessa em compreender. Por isso mesmo, permanece indiferente a este: ambos, "no fundo", são apenas duas designações abstratas para um mesmo esvaziamento da singularidade, do outro (e de si mesmo) em sua diferença. Suspeito que o próprio camponês também permanece sem nome próprio não só por isso, mas também porque, em seu conformar-se a sua situação, "se deixa" reduzi a um nome abstrato...

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